Durante a pandemia, a empreendedora Tânia de Andrade tomou uma decisão: por não conseguir pintar o cabelo, resolveu fazer a transição e assumir o cabelo branco. Com a escolha, vieram os comentários que remetem ao processo de envelhecimento da mulher e ao etarismo: “você é muito nova para usar cabelo branco”, “o que você quer com esse cabelo?”, “está parecendo uma velha”.
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Apesar dos julgamentos, Tânia seguiu firme no processo que levou um ano e meio, motivada pelo exemplo de aceitação que gostaria de passar à filha de 10 anos. Apesar de bem resolvida com a decisão e com o próprio processo de envelhecer, e de atualmente ouvir mais elogios do que críticas, ela comenta que os olhares são diferentes.
— Quando você toma essa decisão, você começa a perceber: bom, agora as pessoas estão me olhando como velha, né? Isso é uma coisa bem marcante — relata.
A escolha por deixar o cabelo branco surpreendeu até a família, muito longeva, com familiares que passaram dos 90 anos e que, como ela diz, “negam o envelhecimento”. Para Tânia, hoje com 52 anos, esse tipo de decisão, assim como outros procedimentos estéticos, não revertem o fato de estar envelhecendo, que ainda assim é difícil de lidar.
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— Para mim é uma transição, eu vivo este momento de transição, eu deixei de ser jovem e estou virando velha, e isso é muito difícil. Eu acho que a gente não é preparada para isso — afirma.
Tânia assumiu fios brancos durante a pandemia
Qualidade de vida precisa ser conquistada
Tânia vê o processo de envelhecimento como natural, mas também reforça os desafios, especialmente para as mulheres. Ela reforça que nessa faixa etária, a qualidade de vida depende das próprias ações, cuidados com o corpo, saúde, atividade física, que antes não demandavam tanta atenção.
— Para a mulher, envolve outras coisas, envolve menopausa, calorão. Antes eu vivia e tinha qualidade de vida, agora eu tenho que lutar pela minha qualidade de vida. Eu preciso buscar formas de controlar o meu calor, formas de ter libido, formas de me sentir mais bonita. Enquanto você tem 30 anos, você é bonita, ponto — argumenta.
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Ela também afirma que o fato de ser uma mulher com mais de 50 anos, ainda mais de cabelos brancos, intensifica um olhar rotulado e limitado em relação ao que ela pode ser ou fazer — “caixinhas” pelas quais Tânia não se deixa ser definida.
— Eu acho que esse etarismo, isso é o tempo todo, toda vez que alguém me encontra, me fala “ai, nossa, eu queria ter sua animação, eu quero chegar na sua idade com essa animação”. E, na verdade, eu continuo fazendo as coisas que eu fazia antes. Eu não me sinto impossibilitada de nada por ser 50+. Eu quero continuar vivendo, fazendo as coisas que eu gosto e tendo energia para isso. E aí me cuido para ter essa energia — afirma.
Na visão dela, esses rótulos não são usados da mesma maneira para os homens, que sentem uma pressão menor em relação ao processo de envelhecimento, seja na questão estética ou no mercado de trabalho.
Envelhecimento é diferente para homens e mulheres
O gerontólogo Gabriel de Aguiar Antunes, pesquisador do Laboratório de Gerontologia da UDESC/CEFID e doutorando em Atividade Física e Saúde pela UDESC, explica que as diferenças no envelhecimento de homens e mulheres passam por questões como condicionamento social, saúde, trabalho e identidade.
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— As diferenças entre homens e mulheres no envelhecimento não são apenas biológicas, mas fortemente marcadas por construções sociais e desigualdades históricas. A sociedade, muitas vezes, trata o envelhecimento — sobretudo o feminino — como uma forma de “morte em vida — destaca.
Ele explica que envelhecer, para as mulheres, é mais cruel, já que a cultura valoriza a juventude e a beleza feminina como formas principais de reconhecimento. Já no caso dos homens, o envelhecimento é tratado de forma diferente, já que o seu valor social é associado à produtividade e ao status. Socialmente, elas são exigidas que mantenham um corpo jovem, enquanto homens também envelhecem fisicamente, mas com um menor impacto simbólico e social.
Falando em expectativa de vida, as mulheres vivem mais, contudo, muitas vezes passam por solidão, abandono e exclusão social enquanto homens mantêm maior reconhecimento social na velhice, explica o pesquisador. Há ainda uma diferença em termos de autonomia, identidade e trabalho. Homens até podem manter uma maior autonomia, porém sentem de forma intensa a perda de produtividade após a aposentadoria, com a identidade fortemente ligada ao trabalho. Já as mulheres lidam com questões como sobrecarga de cuidados domésticos e trabalhos não remunerados, além de desigualdade econômica.
— Muitas mulheres foram excluídas do mercado formal e, após anos de dedicação aos outros, enfrentam abandono. A mulher idosa, frequentemente, torna-se invisível socialmente ao deixar de ser vista como objeto de desejo em um sistema patriarcal — detalha o gerontólogo.
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Etarismo e mercado de trabalho
O etarismo também foi uma questão que impactou em uma mudança de carreira de Tânia. Jornalista de formação, ela conta que viu a profissão passar por uma transformação: o que anteriormente era uma relação de admiração, se perdeu, e com o tempo ela sentiu que aquele não seria mais seu lugar.
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— Quando eu saí da faculdade, você ia trabalhar no jornal, você ia trabalhar numa revista, você tinha os velhos jornalistas que eram repórteres especiais. A maioria dos jornais tinha essas figuras, eram os editores, eram os jornalistas mais velhos que a gente entrava querendo aprender com essas pessoas. E eu acho que isso foi mudando, foi acabando — relembra.
Tânia afirma que mesmo tendo deixado o jornalismo diário, ainda sentia que o jornalismo tinha deixado de ser um lugar para jornalistas mais velhos. Sete anos atrás, já se via “velha para o jornalismo”, e acompanhava dezenas de amigos da mesma faixa etária desempregados. Com as mudanças no formato da própria profissão e esse sentimento de não pertencimento, decidiu seguir outros rumos.
Na época, surgiu a oportunidade de ter uma franquia do Café Cultura no Multi Open Shopping, negócio que ela administra até hoje. A mudança de ramo deu certo, e mais tarde, em 2021, ela e o marido adquiriram um outro ponto comercial, no mesmo empreendimento, e abriram o Musume Sushi.
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O que é gerontologia?
A gerontologia é uma ciência que estuda o envelhecimento de forma multidisciplinar, incluindo aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, explica o gerontólogo Gabriel de Aguiar Antunes. O objetivo é promover qualidade de vida à população idosa.
A gerontologia vai além das doenças, e atua de forma mais ampla do que a geriatria, buscando compreender o envelhecimento em sua totalidade e desenvolver estratégias para fortalecer a autonomia, a independência e a inclusão do idoso na sociedade.
O pesquisador da UDESC, Gabriel de Aguiar Antunes, explica que o envelhecimento da população, com um gradual aumento da expectativa de vida, gera diversos impactos na sociedade em que vivemos, que podem ser divididos em domínios como educação, saúde, atividade física, previdência social e marginalização do idoso.
Entre as ações que devem ser propostas a esse público estão aquelas que busquem um envelhecimento com propósito e sonhos.
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— É fundamental proporcionar aos idosos a possibilidade de manterem propósitos de vida, de serem pessoas ativas na busca de seus sonhos, desejos, vontades e sentidos. O propósito de vida no contexto do envelhecimento bem-sucedido, pode ser entendido como uma busca contínua por significado e realização. O envelhecimento bem-sucedido envolve a aceitação da velhice e o desejo de manter uma vida ativa e com qualidade, mesmo diante de limitações e desigualdades sociais — pontua.
O SESC desenvolve ações voltadas para pessoas idosas com o objetivo de desenvolver esse protagonismo e valorizar o idoso, além de ter um envelhecimento ativo e no qual essa população siga aprendendo. Isso ocorre através de cursos e grupos como o de Dança Circular, Mente Ativa, Viva Digital 50+, Conexão 60+, além de outras ações pontuais durante o ano.
— O envelhecimento ativo é nosso principal objetivo. A gente trabalha com a inclusão dessa pessoa na sociedade, valorização da pessoa idosa, resgate das experiências de vida, para que essas pessoas se sintam pertencentes à sociedade — explica Cristiani Jacobus, analista de programação social no SESC/SC
A maioria das atividades são iniciadas para o público 50+. Algumas delas são pagas, porém o SESC conta com subsídio de quase 50% nos trabalhos com pessoas idosas, o que torna os valores mais acessíveis. Há ainda as vagas do programa de comprometimento com a gratuidade, oportunizando que mais pessoas participem.
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Segundo Cristiani, atualmente cerca de 3,5 mil pessoas no Estado estão inscritas dentro do grupo de atividades com pessoas idosas. As atividades são abertas para homens e mulheres, porém em torno de 80% dos participantes são mulheres. A analista explica que até pouco tempo atrás, eram raríssimos os homens que se inscreviam, e esse número tem aumentado gradualmente, em especial no programa de inclusão digital. Essa é a atividade com maior número de homens em comparação com a proporção de mulheres.
— A gente nota que as mulheres procuram mais as atividades, querem mais estar em convívio social do que os homens. A nossa grande maioria gira em torno dos 70 anos, mas a gente tem uma cliente centenária que tem 101 anos e participa ativamente das atividades. Temos outra em Chapecó com 99 anos — destaca Cristiani.
Falta de políticas públicas
Na busca de uma maior qualidade de vida para a população madura, o pesquisador do Laboratório de Gerontologia da Udesc/Cefid, Gabriel de Aguiar Antunes, destaca a necessidade da criação de políticas públicas voltadas para essa parcela da população. Ele também destaca o que há de positivo no país, como uma legislação avançada em termos de direitos dos idosos e uma estrutura de seguridade social que inclui o SUS, a Previdência Social e a Assistência Social.
— Devem ser criadas políticas públicas de inclusão, bem como cidades, comunidades e espaços que favoreçam a participação ativa do idoso. É fundamental também a criação de programas de promoção à saúde com equipes multiprofissionais, que proponham mudanças de comportamento voltadas a estilos de vida mais saudáveis — afirma.
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Ainda, a experiência desse público pode contribuir com diversas áreas, e é necessária uma inclusão do tema envelhecimento no currículo e áreas de conhecimento, de forma que as pessoas mais jovens aprendam a ouvir e reconheçam o valor das contribuições das gerações mais velhas.
— Além disso, é importante que sejam criados cargos e novos postos de trabalho voltados para essa população, promovendo o envelhecimento ativo e o reconhecimento social das pessoas idosas como agentes de transformação sociais tão necessárias no mundo de hoje — finaliza.
Antonietas
Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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